Com direção de Maria Helena Chira, dramaturgia e atuação de Luisa Micheletti e Julia Tavares, espetáculo inspirado em HQ da cientista política sueca Liv Strömquist tem provocado, além de muitos risos, reflexões sobre tabus históricos que envolvem a forma como a vulva e a vagina foram representadas ao longo dos séculos
Com ingressos esgotados desde a segunda semana de apresentações e recepção entusiasmada do público, o espetáculo A Origem do Mundo, que estreou em 14 de abril e seguiria em cartaz até 21 de maio no Teatro Mínimo do Sesc Ipiranga, terá sua temporada prorrogada por mais dois finais de semana, com apresentações em 27, 28 e 29 de maio, 2, 3 e 4 de junho. Em 28 de maio, a peça também terá uma sessão extra que integrará a programação da edição 2023 da Virada Cultural de São Paulo.
Dirigido por Maria Helena Chira, o espetáculo tem dramaturgia e atuação de Luisa Micheletti e Julia Tavares, e é inspirado em A origem do Mundo – uma história cultural da vagina ou a vulva vs. o patriarcado, graphic novel lançada em 2014, na Suécia, e editada no Brasil em 2018, no catálogo do selo Quadrinhos na Cia da Companhia das Letras. Apinhado de ilustrações irreverentes e suscitando discussões sobre temas urgentes com muita informação histórica e a leveza de um sarcasmo impagável, a obra rodou o mundo, sendo editada em 25 países e atingindo, até o momento, a marca de mais de 100 mil exemplares vendidos.
Arrebatada pelo contato com esse anárquico libelo feminista, uma dessas leitoras, a atriz, apresentadora e escritora Luisa Micheletti foi logo foi tomada pelo desejo de adaptar o texto da artista sueca para a linguagem teatral, com vistas de expandir a didática bem-humorada e instigante de Liv Strömquist para o público brasileiro.
No processo de verter a força simbólica do texto original e do poder de síntese das ilustrações sem perder mão da mesma verve riot-grrrl da HQ, na linguagem cênica, outra entusiasta do livro de Strömquist, a atriz, roteirista e dramaturga Julia Tavares foi escalada para, a quatro mãos com Luisa, realizar um processo de carpintaria capaz de traduzir o manancial de informações presentes no livro.
Bem-sucedido, o trabalho de imersão que resultou no espetáculo A Origem do Mundo também cativou a crítica especializada ganhando destaque na imprensa, como comprova a resenha assinada por Alessandra Monterastelli e publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 23 de abril de 2023.
“O ritmo frenético com que uma cena passa para a outra dá a impressão de que estamos assistindo a uma espécie de live-action do quadrinho para o teatro. O sarcasmo é a ferramenta chave para proporcionar alívio cômico diante da tensão que envolve o tema e, somada à interpretação das provocações de Strömquist, as atrizes acrescentam uma dose extra de humor quando adicionam ao roteiro piadas mais próximas do imaginário brasileiro”, enfatizou a jornalista cultural.
Para Luisa Micheletti, o sucesso do espetáculo se justifica pela urgência dos temas abordados, que alcançam o público com a elevada dose de bom humor impressa pela dramaturgia e o dinâmico jogo de cena.
“Acho que são vários os fatores para o êxito da peça, que trata de temas que estão muito efervescentes na nossa sociedade. A Origem do Mundo fala sobre a libertação feminina, numa camada em que o Brasil ainda está engatinhando. A HQ coloca esses assuntos de uma maneira leve e acessível, desde o orgasmo feminino até a representação da vulva nos livros de ciência, passando por questões de desigualdade de gênero que estão colocadas na peça de uma maneira escancarada e engraçada. As pessoas conseguem se enxergar nas situações. Acho que é um sintoma dos tempos, e a peça conversa muito com o Brasil de hoje”, defende.
Na avaliação da diretora, o caráter didático do espetáculo tem no suporte do humor um atalho infalível para a disseminação de mensagens e reflexões inadiáveis.
“A reação do público tem muito a ver com os temas que a peça aborda e com as descobertas que são possíveis de ser feitas de um jeito cômico, numa linguagem muito acessível. As mulheres têm parado para pensar em coisas que não sabiam sobre o próprio corpo, assim como os homens tem tido contato com verdades que nem imaginavam. E isso não vem de uma maneira ofensiva, goela abaixo. O poder do humor é muito relevante, neste caso, porque ele é capaz de falar das coisas mais difíceis da melhor maneira possível. A essência do teatro é o encontro com o público. E a cada semana a coisa vai crescendo de uma maneira sutil. Nas redes sociais, muita gente tem dito que a peça precisa ser vista”, celebra Maria Helena Chira.
Para Julia Tavares, a troca com o público tem imprimido uma dinâmica livre à montagem, abrindo espaços para eventuais improvisos de acentuação cômica. “Todo espetáculo ganha ritmo ao longo de uma temporada, mas A Origem do Mundo, em especial, tem um jogo de cena aberto. Também somos personagens, e a cada sessão eu e Luisa conseguimos nos divertir mais – consequentemente, a plateia se diverte junto. As mudanças de jogo surgem sempre que uma nova proposta acontece em cena. Uma piada nova é sempre um risco, mas o teatro é vivo, e a comédia acontece justamente por conta do perigo de se jogar sem garantia de nada. A recompensa normalmente vem através do riso”, assegura.
Com o êxito da primeira temporada, o ímpeto de levar adiante o importante recado de A Origem do Mundo para novas plateias ganha força, garante Micheletti. “Crescer e continuar é o desejo de toda peça independente. A gente vai prorrogar a temporada, graças ao sucesso no Sesc Ipiranga, que nos pediu para fazer mais dois finais de semana, e estamos agora com a perspectiva de viajar com a peça para algumas cidades do interior de São Paulo e, quem sabe, também levar o espetáculo ao Rio de Janeiro e outros estados”, conclui.
SINOPSE: A partir dos quadrinhos da artista gráfica e cientista política sueca Liv Strömquist, duas atrizes experimentam, com humor, diferentes linguagens teatrais para recriar passagens importantes da linha do tempo e questionar nomes como Freud, Sartre e a NASA em relação ao que foi dito sobre a vulva e a vagina.
A Origem do Mundo
SESC Ipiranga – Teatro Mínimo
Rua Bom Pastor, 822 – Ipiranga, São Paulo – SP
Classificação indicativa: 16 anos
Lotação: 30 lugares
De 27 de maio a 4 de junho de 2023
Sessões às sextas-feiras, sábados e domingos, com horários variáveis, de 18h30 às 21h30. Para confirmar a grade de dias e horários, acesse: sescsp.org.br/programacao/a-origem-do-mundo/